As boticas só foram autorizados, como comércio, em 1640, a sangria, também foi legalmente autorizada naquele mesmo ano e, resultou em competição entre os barbeiros e os escravos sangradores. A partir deste ano as boticas se multiplicaram, de norte a sul, dirigidas por boticários aprovados em Coimbra pelo físico-mor, ou por seu delegado comissário na capital do Brasil, Salvador. Estes boticários, que obtinham com a máxima facilidade a sua "carta de aprovação" eram profissionais empíricos, as vezes analfabetos, possuindo apenas conhecimento de medicamentos corriqueiros. Por causa de toda essa "facilidade", muitas vezes lavadores de vidros ou simples ajudantes de botica, requeriam exame perante o físico-mor ou seu delgado e, uma vez aprovados, o que geralmente acontecia, arvoravam-se em boticários, estabelecendo-se por conta própria ou associando-se a um capitalista ou comerciante, normalmente do ramo de secos e molhados, que alimentava a expectativa dos bons lucros no novo negócio. Em todas as cidades do Brasil, desde os primeiros tempos da colonização, foi hábito dos comerciantes de secos e molhados, negociarem com drogas e medicamentos, não só para uso humano como para tratamento dos animais domésticos, aos cuidados do alveitares (veterinários). Raras eram as boticas legalmente estabelecidas. O comércio das drogas e medicamentos era privativo dos boticários, segundo o que estava nas "Ordenações", conjunto de
leis portuguesas que regeram o Brasil durante todo o período colonial, reformada por D. Manuel e em vigor desde o princípio do século XVI, bem como por leis e decretos complementares. Foi com base nesta legislação que o físico-mor do reino, por intermédio de seu comissário de São Paulo, ordenou o cumprimento integral do regimento baixado em maio de 1744. Comisto intensificou-se a fiscalização do exercício dessa profissão, pois o regimento proibia terminantemente o comércio ilegal das drogas e medicamentos, estabelecendo pesadas multas e seqüestro dos respectivos estoques. Houve, busca
e apreensões das mercadorias proibidas, que foram depositadas nas boticas locais. Foi um "Deus nos acuda".
O Regimento foi feito a partir de uma ordem do Conselho Ultramarino de dois anos antes. A ordem fora dada ao Dr. Cypriano de Pinna Pestana, físico-mor do reino, para que não desse comissão a pessoa alguma, que no Brasil servisse por ele, esta comissão só poderia ser dada a um médico formado pela Universidade de Coimbra, e que mesmo físico-mor faça um novo regimento da forma em que os seus comissários deveriam proceder nas suas comissões e qual o salário que deveriam receber. "E que fizesse também um regimento para os Boticários do dito estado com atenção as distâncias, que ficam as terras litorâneas. Ficando advertido que tanto os ganhos dos seus comissários como os preços dos medicamentos nunca deveriam exceder o dobro, dos preços praticados no reino e que feito tal regimento deveria ser remetido ao Conselho". Quanto ao exame prestado pelos candidatos a boticários, bem como a inutilização das drogas eventualmente deterioradas, desde a sua chegada aos portos, e a fiscalização das boticas, tudo se faria de acordo com o regimento: legalização do profissional responsável; existência de balança; pesos e medidas; estado de conservação das drogas vegetais, principalmente as importadas; medicamentos galênicos; produtos químicos; vasilhames e ocasionalmente, a existência de alguns livros. As inspeções das boticas seriam rigorosas e realizadas a cada três anos. Este regimento foi considerado modelar para a sua época. Em completo atraso e carência de preparo, os boticários de Portugal e das colônias portuguesas, tinham como guia a obsoleta Farmacopéia Ulissiponense Galênica e Química de Joan Vigier, data de 1716, e em 1735 aparecia a Farmacopéia Tubalense Química Galênica, teórica e prática, de Manoel Rodrigues Coelho, boticário da corte, que visava ter seu trabalho autorizado pelo governo, o que não conseguiu.
Em 1772 apareceu a
obra de Frei João de Jesus Maria, monge beneditino e boticário do convento e, finalmente, publicada por ordem de D. Maria I.
Em 7 de abril de 1794 foi mandada adotar a Farmacopéia Geral para o Reino de Portugal e Domínios, de autoria de Francisco Tavares, professor da Universidade de Coimbra, obra cujos preceitos não era lícito ao profissional se afastar, mesmo quando o próprio autor a reconheceu insuficiente, sendo por isso, o mesmo autor, levado a escrever uma Farmacologia, em 18
A cidade de São Paulo em 1765, tinha três boticários, Francisco Coelho Aires, estabelecimento e moradia na rua Direita, Sebastião Teixeira de Miranda na atual rua Alvares Penteado e José Antônio de Lacerda na atual Praça da Sé.
A Real Botica de São Paulo, estava instalada onde hoje está o Vale do Anhangabaú, mais precisamente, onde hoje está o prédio central dos Correios e Telégrafos. O prédio para instalar esta primeira farmácia oficial da cidade foi construída em 1796 e demolida em 1916.
No tempo da Real Botica os remédios eram, na sua grande maioria, plantas medicinais, porém desde de 1730 o brasileiro usava o mercúrio e o arsênico importados da Europa.
O ópio, a escamonéia, a rosa, o sene, o manacá e a ipeca já faziam parte dos remédios necessários para funcionamento de uma botica. Pomadas e linimentos tinham grande consumo, aliás o produto mais consumido era a pomada alvíssima, além do bálsamo católico, de Copaíba, e a Água Vienense, que só entrou em desuso no começo deste século.
As Boticas do Rio de Janeiro, no entanto, eram adornadas "com estilo muito mais faustoso que o comum das casas de comércio, isto é, de muito bom gosto. Em vez de balcão, como se costumava ter, tinham bem no meio uma espécie de altar, com a frente ornamentada com pinturas e dourados; o motivo mais comum na pintura era alguma paisagem, um naufrágio ou um simples ramalhete de flores. Acima, no altar, a balança, os pesos, dois ou três livros velhos, oráculos, sem dúvida, da arte de curar".
Os utensílios de laboratório, sempre despertou no cliente um olhar respeitador bem como muita curiosidade. Talvez por suas formas singulares, tão diferente da maioria dos objetos corriqueiros, talvez por indicarem ao leigo de alguma forma, as transformações que nestes locais se faziam. Na porta dos laboratórios o aviso "Proibida a Entrada", só entravam o boticário, vestido com sua bata branca, e os auxiliares , geralmente moços me manga de camisa. O freguês ficava a espera da receita, que levava no mínimo uma hora para ser aviada além da grade de madeira ou de ferro
Os estudos de farmácia
Em 18 de fevereiro de 1808, instituiu os estudos médicos no Hospital Militar da Bahia, por sugestão do cirurgião-mor do reino, Dr. José Correia Pincanço, futuro Barão de Goiana, com ensino de anatomia e cirurgia, porém o ensino de farmácia só se iniciou em 1824.
A intenção de D. João VI era formar médicos e cirurgiões para o exército e marinha, onde estava a elite econômica da época.
No Rio de Janeiro instituiu o curso de medicina em 1809. Este curso era composto das cadeiras de Medicina, Química, Matéria Médica e Farmácia. O primeiro livro desta faculdade foi escrito por José Maria Bontempo, primeiro professor de farmácia do Brasil, e chamava-se "Compêndios de Matéria Médica" e foi publicado em 1814.
Em 1818 o farmacêutico português instalado no Rio de Janeiro, José Caetano de Barros abriu o ensino gratuito a médicos, boticários e estudantes no laboratório de sua farmácia, sendo que as aulas de botânica eram dadas pelo carmelita pernambucano Frei Leandro do Sacramento, diretor do Jardim Botânico, e professor dessa disciplina na então Escola Médico Cirúrgica. As aulas de Frei Sacramento eram ministradas no Passeio Público daquela cidade.
Dentre os discípulos de José Caetano de Barros, destacava-se Ezequiel Corrêa dos Santos, que veio a ser um dos pioneiros da farmácia no Brasil. Seu filho, também farmacêutico, tornou-se catedrático de farmácia na Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro entre 1859 e 1883.
Em 3 de outubro de 1832, foi criada a Faculdade de Medicina, com isso regulou-se o ensino de farmácia. Um decreto imperial sancionado em 8 de maio de 1835, transformou a Sociedade de Medicina em Academia Imperial, e nela ficou instituído a seção de farmácia, o que elevou a classe farmacêutica a hierarquia científica, colocando-a em igualdade aos demais ramos das ciências médicas.
A consolidação do ensino de farmácia, no entanto, só aconteceu em 1925, quando o curso passa a ser Faculdade de Farmácia, filiada, como as outras, a Universidade do Rio de Janeiro.
A assembléia legislativa de Minas Gerais, decretou a lei nº 140, sancionada pelo então conselheiro Bernardo Jacinto da Veiga, em 4 de abril de 1839, criando duas Escolas de Farmácia, uma em Ouro Preto e outra em São João Del Rei, destinada ao ensino de farmácia e da matéria médica brasileira.
A cidade do Rio de Janeiro abriu curso de agricultura em 1814, e o laboratório de química chegou a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1818.
Os cursos superiores nasceram sob a imposição de necessidades práticas imediatas, por isso não acompanharam, no decorrer de nossa história, as exigências da sociedade brasileira. Em virtude do imediatismo, a pesquisa científica foi totalmente negligenciada durante todo o período do império, vindo a desenvolver-se timidamente no começo do nosso século. Assim, não é de se estranhar que em 10 anos (1855 -1864) as escolas de medicina das duas províncias, Bahia e Rio de Janeiro, tivessem apenas 2 7 estudantes de medicina, por ano, e no curso de farmácia 5, enquanto o curso de direito tinha 80 alunos.
A Escola de Farmácia de Porto Alegre surgiu em 1896 e a de São Paulo em 1898. Se bem que a idéia da instituição desta última constituísse, desde algum tempo, cogitação de ilustres profissionais que integravam a Sociedade Farmacêutica, coube, sem dúvida, ao Dr. Braulio Gomes, médico de renome e vasto currículo de relações sociais, a vitória na iniciativa que culminou na fundação da Escola de Farmácia de São Paulo em 12 de outubro de 1898.
Em 1822, São Paulo, não possuía nenhuma faculdade, mas tinha 7 médicos e cirurgiões e continuava tendo 3 boticários, sendo um deles Ereopagita da Mota, que tinha farmácia na então rua do Rosário atual 15 de novembro, no coração da cidade. Já o Rio de Janeiro em 1843 tinha 78 farmácias, e em 1893, 210 farmácias e 34 drogarias.
De Boticário a Farmacêutico
Apesar das diversas instituições de ensino de farmácia pelo país no século passado, a passagem do comércio de botica para farmácia, não foi nada fácil. Afinal o hábito, na cultura popular, dificulta em muito as mudanças, por mais necessárias que elas sejam.
Assim, até a própria lei que regulamentava o efetivo exercício da profissão persistia em chamar os farmacêuticos de boticários. O Regimento da Junta de Higiene Pública, aprovado pelo decreto imperial número 829, de 29 de setembro de 1851, documento que regulamentava a profissão, fazia menção ao técnico da preparação dos medicamentos através da palavra "boticário"., e não se pense que a expressão dissesse respeito a profissionais sem diploma, pois o artigo 28 do referido regimento é claro: " os médicos, cirurgiões, boticários, dentistas e parteiras apresentarão seus diplomas..."
O hábito continuou até surgir o Decreto 2055, de dezembro de 1857, onde ficou estabelecido as condições para que os farmacêuticos, não habilitados, tivessem licença para continuar a ter suas boticas. Uma ironia bem própria da cultura brasileira onde farmacêuticos e boticários, habilitados ou não, tinham pouca diferença para a média da população bem como para os legisladores, normalmente leigos em questões de farmácia.
O boticário dará definitivamente espaço ao farmacêutico depois de 1886. Isto no entanto não deve significar que o país e suas faculdades de farmácia não produziram cientistas de nível nacional e internacional é o caso de Luís Antônio da Costa Matos, que obteve um princípio antifebril da amêndoa de cajú; Joaquim de Almeida Pinto, pernambucano, que estudou espécies da nossa flora e organizou um dicionário de botânica; Antônio Gonçalves de Araujo Penna, paulista que se dedicou a farmácia homeopática, dando-lhe grande impulso e popularidade. Ezequiel Correia dos Santos, fluminense, dedicou-se ao estudo das plantas medicinais brasileiras, procurando isolar os princípios ativos e obtendo em 1838, a pereirina do Pau Pereira, com a colaboração dos farmacêuticos Soullié e Dourado.
Bibliografia:
1- Breve História da Farmácia Brasileira - Philippe Guédon - 1965 –
2 - Revista de Farmácia e Odontologia - 1943/45
3 - Revista Brasileira de Farmácia - 1940/46